Critica: O mapa das pequenas coisas perfeitas
julho 14, 2021Há muito tempo não assistia a um filme de comédia romântica, me apoiando na justificativa de que os roteiros estavam repetitivos e voltados a um público que já não faço parte a bastante tempo: os adolescentes. Mas dai vem a pandemia, e com ela a oportunidade de poder explorar com mais carinho estilos de cinema deixados de lado. Assim, O mapa das pequenas coisas perfeitas foi a porta de entrada para revisitar o romance no cinema.
Confesso que fui fisgado pelo título, que já entrega o conceito central da trama. Aqui, em um clássico dia da marmota, os protagonistas estão presos em um loop temporal sem uma justificativa plausível para isso. E através e durante ele, vão se descobrindo e se desvelando até o romance inevitável acontecer. Tudo muito previsível, como manda o manual das comédias românticas. Porem, se a trama se mostra óbvia e com tons de adolescência – o que não tem nada de errado -, as reflexões colocam os dois pés na vida adulta.
Obrigados a viver o mesmo dia, são, consequentemente, obrigados a também refletir sobre si e sobre sua própria existência. No começo tudo parece maravilhoso, podendo aproveitar cada aspecto da vida naquela cidade, o hedonismo em sua essência, até que as possibilidades vão acabando e tudo se transforma em um grande tédio, no qual a repetição se mostra o verdadeiro inferno. E aí, o que resta, é olhar para o outro, para fora, e tentar ver o prazer além do próprio ego e da própria forma de existir. Há outras vivencias e histórias além da sua. Então, porque não fazer um mapa onde coisas legais estão acontecendo?
Como consequência, os protagonistas vão se desapegando de suas idiossincrasias, que são justamente o que lhes prendem naquele fatídico dia. Enquanto ela tenta superar e entender que a morte da mãe é um caminho sem volta, ele tenta se ajustar a família, dando uma atenção maior as coisas de casa e melhorando seu relacionamento com seus parentes. Uma ilustração psicanalítica da repetição e da elaboração. Roudinesco, em uma leitura de Lacan diz que a repetição inconsciente nunca é uma repetição no sentido habitual de reprodução do idêntico: a repetição é o movimento, ou melhor, a pulsação que subjaz à busca de um objeto, de uma coisa (das Ding) sempre situada além desta ou daquela coisa particular e, por isso mesmo, impossível de atingir. Talvez, o dia tenha acabado, mas a busca e o romance como produto dela não.
O roteiro é longe de ser perfeito e tem vícios que me entristecem toda vez que me deparo: A insistência em colocar “referencias a cultura pop” se mostra inútil dentro dele, mesmo que seja para ilustrar algo mais descolado e jovem; O amigo negro do protagonista que só serve como escada para alivio cômico e ponte para justificativas desnecessárias sobre a trama. Ou seja, um roteiro que funciona para a classe média branca norte americana que é justamente a maior parte do publico alvo das plataformas de streamings em épocas pandêmicas.
No final das contas, é um filme que não faz questão de fugir dos clichês de gênero, mas acaba, por acidente, entregando reflexões que valem a pena o risco. Eu indicaria para ser visto caso você esteja procurando algo extremamente despretensioso em um domingo cheio de tédio.
Pseudo comentarista de cinema, Pseudo músico, Pseudointelectual, Pseudo escritor, Pseudo estudante, Pseudo míope, entre outros tantos Pseudos… Atualmente estudante de Psicologia pela Universidade de Ribeirão Preto.